domingo, 21 de março de 2021

Um boneco na mão e uma rima na cabeça (As Pelejas de Zezim Siriema e Baltazar na Feira – texto crítico por Adriana Amorim)

“O saber é coisa boa / Tem sabor de alegria / É o canto que entoa / E a seta que nos guia”

E finalmente assisto à sétima e última peça do primeiro bloco da Mostra Cênica da Motin Bahia. Uma maratona de teatro na tela! Uma profusão de estéticas, temáticas e discursos. Os três sinais de Moliére engenhosamente inseridos na abertura de cada cena, garantem a sensação de que vamos assistir a uma obra teatral. Ajeitamo-nos na cadeira da nossa plateia e abrimos o coração para a entrada de algo novo, que a partir daqui, fará parte de nós. O espetáculo especialmente convidado , “As Pelejas de Zezim Siriema e Baltazar na Feira”, da Cia de Teatro Mistura, de Ibotirama, é o primeiro dos sete espetáculos do primeiro bloco a se utilizar de diálogos em seu sentido um pouco mais tradicional. Ainda que bonecos de luva, feitos de tecido e papel machê (será que é?), os personagens dessa linda e divertida comédia popular destoam dos três monólogos reflexivos e dos dois espetáculos sem palavras, sendo um deles também de bonecos (apesar da diferença da construção e da técnica de animação) e o outro um número de palhaços. Eu, sendo dramaturga e professora de dramaturgia há alguns anos, sou adepta do diálogo fluido, com bom ritmo, que revela personagens, acontecimentos e move a trama. Obviamente que assisto e admiro os outros elementos do teatro, que com igual maestria contam histórias e promovem sensações, mas o diálogo é pra mim como o feijão no prato. Além de ser o meu favorito, dá “sustança”!

            A Cia de Teatro Mistura não deve ter esse nome por acaso. Pois faz um mix de tudo o que vi nos outros espetáculos, e que bom que acabei por deixá-lo por último, porque pude fazer essa constatação. Tem bonecos que realizam verdadeiros números de clown, tem texto dito em verso e também em prosa, tem cordel e discussão política. Tem uma música linda executada ao vivo que costura com maestria todo o espetáculo, sobretudo as falas do Raizêro. Tem elementos do universo sertanejo, como na maioria dos espetáculos da Motin. Tem momentos “solo” de cada personagem. Enfim, uma mistura de cores, palavras e vozes que trazem para a cena justamente a atmosfera da feira, que é o espaço interno da história. Do lado de fora, o que Patrice Pavis chama de espaço externo, o grupo constrói uma engenharia, além de altamente funcional para o registro em audiovisual, também muito simples e bela, com cores diversas dentro de uma paleta específica. Chamam a atenção, por exemplo, o pequeno orelhão e o guarda-chuvas onde estão pendurados os cordéis, únicos elementos de cor fria e que equilibram o todo. Além destes dois elementos, um pequeno sinalizador de rádio indicando “NO AR” ajuda a dividir a tela (palco) em três pontos, fazendo também uma síntese das personagens e as situações que vivem ou comentam.

            Fazendo toda reverência à tradição popular não apenas cênica ou literária (estas também), Zezim Siriema e Baltazar nos fazem rir de coisas ancestrais, rimas, parlendas, anedotas, “pegadinhas”. Celebram a medicina natural, falam de amores e amizades, relações de opressão e até mesmo da fome, sempre com uma graça ingênua e ao mesmo tempo consciente, posto que antiga e madura. Aquela sabedoria de preta-velha que sabe que nada por aqui é novo, que se lembra que não há mal que nunca acabe nem bem que sempre dure. Cíclica como tudo na natureza, a sabedoria popular nos acalenta com um riso fraterno de quem lembra como era bom ir à feira, tomar uma cerveja gelada, chupar um umbu azedo, comer uma mãozada de avoador, comprar um dvd pirata. Que de todas as alegrias que nos foram tiradas, a gente possa tão logo seja possível voltar aos templos da alegria e da sabedoria: o teatro e a feira.

            Por fim, para encerrar este bloco, agradeço ao espetáculo convidado e envio meu fraterno abraço aos bonecos e seus animadores que aparecem tão generosa e humildemente ao final do espetáculo para receber nossos aplausos. Recebam. Vocês os merecem. Merecem muito. Pelo espetáculo que apresentarem e por tudo que têm andado fazendo nesse universo chamado interior da Bahia. Gratidão.

AUTORA DA CRÍTICA: Adriana Amorim

Acesse o site da Caza Azul Teatro Escola AQUI!

SERVIÇO:
O quê: As Pelejas de Zezim Siriema e Baltazar na Feira
Onde: YouTube ou Site da CazAzul Teatro Escola
Quando: de 16 a 20 de março de 2021

Ficha técnica:

PESQUISA DO BRINCANTE POPULAR: Gilberto Morais

DRAMATURGIA – Ed Paixão

FONTE DE INSPIRAÇÃO DE CÓRDEIS – Cleber Eduão e Fonzim de Anagé

CRIAÇÃO DE BONECOS – Gilberto Morais e Shicó do Mamulengo

ELENCO – Gilberto Morais e Vânia Nogueira (Cia. de Teatro Mistura)

DIREÇÃO MUSICAL E EXECUÇÃO – Marcus Vinícius

MÚSICAS: Cléber Eduão e Bosco Fernandes

ASSISTENTES DE DIREÇÃO: Diego Quinteiro e Rafaella Tuxá

FOTOGRAFIAS: Joyce Farias

PRODUÇÃO DE AUDIOVISUAL: Joyce Farias

PRODUTOR LOCAL: Ananias Serranegra

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